Em meio às articulações para as eleições de 2026 na Bahia, o senador Otto Alencar (PSD) fez declarações contundentes que podem reconfigurar o cenário político do estado. Ao criticar a possibilidade de uma chapa "puro-sangue" do PT para o pleito, o parlamentar não apenas expôs fissuras na base governista como também abriu caminho para o fortalecimento da oposição liderada por ACM Neto (União Brasil).
O recado de Otto e o fantasma de 2006
Durante entrevista ao programa Boa Tarde Bahia, da Band, na última quinta-feira (15), Otto Alencar foi direto ao comentar sobre a articulação do PT para montar uma chapa majoritária em 2026 apenas com petistas - que incluiria o atual governador Jerônimo Rodrigues e os ex-governadores Jaques Wagner e Rui Costa.
"Uma coisa que eu valorizo muito na política é a avaliação do momento. Qualquer partido que esteja muito hegemônico, e nenhum vai estar em 2026, tá ganho, a eleição tá decidida, pode até fazer uma chapa puro-sangue. A última vez não deu certo, foi a de 2006 de Antônio Carlos Magalhães, com Paulo Souto, Tinoco e Rodolpho Tourinho. Paulo Souto queria Geddel na chapa, ACM não quis, fez puro-sangue e perdeu para Wagner. Então, puro-sangue às vezes cansa", afirmou o senador.
A comparação feita por Otto não poderia ser mais simbólica. Ao evocar a derrota do carlismo em 2006, quando ACM Magalhães optou por uma chapa exclusiva do então PFL (atual União Brasil), o senador do PSD estabelece um paralelo histórico que serve como alerta para o PT. A ironia é que agora o partido que derrotou o carlismo naquela eleição estaria repetindo o mesmo erro estratégico que levou à queda de seu adversário.
Rachaduras na base governista
As declarações de Otto Alencar não surgem isoladamente. Elas refletem um crescente desconforto entre os partidos aliados do governo estadual com a possibilidade de serem preteridos na composição da chapa majoritária para 2026. O PSD, que comanda importantes prefeituras no interior baiano e possui uma bancada expressiva na Assembleia Legislativa, sinaliza que não aceitará passivamente uma eventual exclusão.
Segundo reportagem do BNews, "a declaração vem em meio a rumores sobre o rompimento da aliança entre os dois partidos na Bahia. Além da perda de uma cadeira no Senado, caso Angelo Coronel seja preterido da chapa, existe mais um motivo para um eventual racha". O veículo ainda destaca que, no âmbito nacional, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, "se articula para ser o vice-presidente ou até mesmo candidato a governador de São Paulo no caso de Tarcísio de Freitas (Republicanos) decidir enfrentar Lula nas urnas em 2026".
Essa movimentação nacional do PSD poderia resultar em uma "imposição da executiva nacional para que os diretórios estaduais façam oposição ao PT", o que complicaria ainda mais o cenário para os petistas na Bahia.
O dilema do PT baiano
O Partido dos Trabalhadores enfrenta um dilema na Bahia. Por um lado, possui quadros de peso nacional que naturalmente almejam espaços na chapa majoritária de 2026. Por outro, precisa manter a coesão da ampla aliança que garantiu sua hegemonia no estado por quase duas décadas.
O presidente estadual do PT, Éden Valadares, já havia ponderado sobre os limites dessa ambição. Conforme reportado pelo Bahia Notícias, Valadares afirmou que "seria diferente para mim. Imagina eu, enquanto presidente do PT, ter uma chapa com o governador do PT e dois senadores do PT. Esse desejo tem um limite. Qual é o limite dele? Nós não vamos estourar o grupo por isso".
Apesar dessa declaração conciliadora, os movimentos recentes do partido indicam uma tendência à concentração de poder, o que tem gerado apreensão entre os aliados. A fala de Otto Alencar expõe publicamente essa tensão e coloca o PT em uma posição defensiva.
O fortalecimento de ACM Neto
Enquanto a base governista enfrenta suas contradições internas, ACM Neto surge como o grande beneficiário desse cenário. O ex-prefeito de Salvador, que já lidera as pesquisas de intenção de voto para o governo do estado em 2026, vê na crise dos adversários uma oportunidade para ampliar seu capital político.
Segundo pesquisa divulgada pelo G1 em fevereiro deste ano, "o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (União Brasil), tem 42% das intenções de voto na eleição para governador da Bahia em 2026", contra 38% do atual governador Jerônimo Rodrigues. Dados mais recentes do instituto Paraná Pesquisas, publicados pela Gazeta do Povo em março, confirmam essa tendência, mostrando uma "vantagem confortável de ACM Neto, que aparece com chances de vitória ainda em primeiro turno".
A fragmentação da base governista, evidenciada pelas declarações de Otto Alencar, tende a fortalecer ainda mais a candidatura de ACM Neto. O político do União Brasil pode agora se apresentar como alternativa não apenas ao PT, mas a um modelo de governança que, segundo a narrativa que começa a se construir, estaria se esgotando após anos de hegemonia.
Estratégias e contramovimentos
A reação do PT às declarações de Otto Alencar será determinante para o desenrolar do cenário político baiano. O partido tem pela frente o desafio de reafirmar sua liderança sem alienar aliados históricos como o PSD.
Uma possível estratégia seria a abertura de espaços na chapa majoritária para representantes de partidos aliados, mesmo que isso signifique abrir mão de candidaturas petistas ao Senado. Outra alternativa seria intensificar o discurso de unidade da esquerda contra o retorno do carlismo, tentando mobilizar a militância em torno de um inimigo comum.
Para ACM Neto, o momento exige cautela e habilidade para capitalizar as divisões adversárias sem parecer oportunista. O ex-prefeito tem intensificado sua presença no interior do estado, como reportado pelo portal Bahia Econômica, que destacou que "ACM Neto retoma mobilização no interior e mira 2026", com roteiro que incluiu municípios estratégicos como Ilhéus.
Conclusão
As declarações de Otto Alencar sobre a possível chapa "puro-sangue" do PT para 2026 representam mais que uma crítica pontual. Elas simbolizam o início de um processo de reconfiguração política na Bahia, com potencial para abalar as estruturas de poder consolidadas nas últimas duas décadas.
Para o PT, o desafio é equilibrar suas ambições internas com a necessidade de manter a coesão da base aliada. Para ACM Neto, a oportunidade é capitalizar as divisões adversárias e se apresentar como alternativa viável após anos de oposição.
O cenário que se desenha para 2026 na Bahia é de uma disputa acirrada, onde a capacidade de articulação política e a sensibilidade para os anseios do eleitorado serão determinantes. E, nesse contexto, as palavras de Otto Alencar ecoam como um alerta: "puro-sangue às vezes cansa".
Fontes:
Bahia Notícias: "Otto Alencar cutuca chapa com Rui e Wagner para o Senado em 2026: 'Puro-sangue às vezes cansa'"
Panorama da Bahia: "Chapa puro-sangue às vezes cansa, diz Otto Alencar em recado ao PT"
BNews: "Otto Alencar diz que chapa puro-sangue 'às vezes cansa' e manda recado: 'A última vez não deu certo'"
G1: "Quaest, eleições 2026: ACM Neto tem 42% e Jerônimo tem 38% na disputa pelo governo da Bahia"
Gazeta do Povo: "ACM Neto lidera intenções de voto para o governo da Bahia em 2026"
Bahia Econômica: "ACM Neto retoma mobilização no interior e mira 2026"